sábado, maio 19, 2007

Cantinho dos Estudos


ESQUECIMENTO DO PASSADO: REFERÊNCIAS NA CODIFICAÇÃO

Nestes escritos de Allan Kardec, contidos no Evangelho Segundo o Espiritismo, o mestre lionês deixa claro a importância do esquecimento das vidas passadas para o Espírito encarnado, assim como os malefícios que esta lembrança, mesmo que de alguns fatos, poderia trazer ao indivíduo em estado consciente. O que devemos fazer, ao invés de saber o que fomos, segundo Kardec, é saber o que somos, procurando suprimir nossas más tendências, o que nos dará ânimo para enfrentar as dificuldades.

"É em vão que se aponta o esquecimento como um obstáculo ao aproveitamento da experiência das existências anteriores. Se Deus considerou conveniente lançar um véu sobre o passado, é que isso deve ser útil. Com efeito, a lembrança do passado traria inconvenientes muito graves. Em certos casos, poderia humilhar-nos estranhamente, ou então exaltar o nosso orgulho, e por isso mesmo dificultar o exercício do nosso livre-arbítrio. De qualquer maneira, traria perturbações inevitáveis às relações sociais.

O Espírito renasce freqüentemente no mesmo meio em que viveu, e se encontra em relação com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes tenha feito. Se nelas reconhecesse as mesmas que havia odiado, talvez o ódio reaparecesse. De qualquer modo, ficaria humilhado perante aquelas pessoas que tivesse ofendido. Deus nos deu, para nos melhorarmos, justamente o que necessitamos e nos é suficiente: a voz da consciência e as tendências instintivas; e nos tira o que poderia prejudicar-nos.

O homem traz, ao nascer, aquilo que adquiriu. Ele nasce exatamente como se fez. Cada existência é para ele um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi: se esta sendo punido, é porque fez o mal, e suas más tendências atuais indicam o que lhe resta corrigir em si mesmo. É sobre isso que ele deve concentrar toda a sua atenção, pois daquilo que foi completamente corrigido já não restam sinais. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, que o adverte do bem e do mal e lhe dá a força de resistir às más tentações.

De resto, esse esquecimento só existe durante a vida corpórea. Voltando à vida espiritual, o Espírito reencontra a lembrança do passado. Trata-se, portanto, apenas de uma interrupção momentânea, como a que temos na própria vida terrena, durante o sono, e que não nos impede de lembrar, no outro dia, o que fizemos na véspera e nos dias anteriores.

Da mesma maneira, não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que ele nunca a perde, pois a experiência prova que, encarnado, durante o sono do corpo, ele goza de certa liberdade e tem consciência de seus atos anteriores. Então, ele sabe porque sofre, e que sofre justamente . A lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação. A falta de uma lembrança precisa, que poderia ser-lhe penosa e prejudicial às suas relações sociais, permite-lhe haurir novas forças nesses momentos de emancipação da alma, se ele souber aproveitá-los" - (Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 5, item 11).

Allan Kardec, explicando sobre uma comunicação de um Espírito que em uma encarnação anterior teve problemas com seu marido, onde conheceu o ódio, observa:

"Desta evocação ressaltam vários ensinamentos. Se, na vida exterior de relação, o Espírito encarnado não se recorda de seu passado, lembra-se quando desprendido no sono. Não há, pois, solução de continuidade na vida do Espírito que, nos momentos de emancipação, pode lançar um olhar retrospectivo sobre suas existências anteriores e disso trazer uma intuição, que poderá dirigi-lo quando em vigília.

Em diversas ocasiões ressaltamos os inconvenientes que, em vigília, apresentaria a lembrança precisa do passado. Essas evocações nos fornecem um exemplo. Foi dito que se G. Remone e sua esposa se encontrassem, experimentariam um recíproco sentimento de antipatia. Que seria se lembrassem das antigas relações! O ódio entre si despertaria inevitavelmente. Em vez de dois seres apenas antipáticos ou indiferentes um para outro, talvez fossem inimigos mortais.

Com sua ignorância, são mais eles mesmos e marcham mais livremente no novo caminho a percorrer. A lembrança do passado os perturbaria, humilhando-os aos seus próprios olhos e aos dos outros. O esquecimento não lhes faz perder o fruto da experiência, porque nascem com aquilo que adquiriram em inteligência e moralidade. São aquilo que se fizeram. Isto lhes é um novo ponto de partida. Se, com as novas provas que G. Remone terá que sofrer, se aliasse a lembrança das torturas da derradeira morte, seria um suplício atroz que Deus quis evitar, lançando um véu sobre o passado" - (Revista Espírita, 1862, mês de novembro, em referência à Sra. Remone).

Allan Kardec evoca o Espírito de um jovem desencarnado que possuía bons sentimentos durante sua última encarnação, embora tivesse sido em outra existência, como ele elucidou, muito rico e orgulhoso. Nascera numa posição subalterna para expiar seu passado, e então Kardec o questiona:

"Como aproveitou a prova, se não tinha lembrança da vida anterior e da causa que a motivara?".

- "Em minha humilde posição, restava-me um instinto de orgulho, que tive a sorte de dominar; isto tornou a prova aproveitável, sem o que teria de recomeçá-la . Em seus momentos de liberdade, o meu Espírito se recordava e, ao despertar, ficava-me um desejo intuitivo de resistir às tendências, que sentia serem más. Assim, tive mais mérito na luta do que se me lembrasse do passado. A lembrança de minha antiga posição teria exaltado o meu orgulho, perturbando-me , ao passo que tive que lutar apenas contra o arrastamento da nova posição" - (Revista Espírita, 1863, mês de janeiro, item "Os servos")

Neste tópico, o Codificador dá explicações a um grupo que ele dirige a respeito da lembrança das vidas anteriores. O grupo pergunta se o esquecimento não daria às expiações terrenas um caráter inútil, já que não se saberia o porquê do sofrimento.

"Vem a seguir a grave questão do esquecimento que, segundo o nosso correspondente, tira aos males da vida o caráter de expiação. É um erro. Dai-lhe o nome que quiserdes: não fareis que não sejam a consequência de uma falta. Se o ignorais, o Espiritismo vô-lo ensina. Quanto ao esquecimento das faltas mesmas, ele não tem as consequências que lhe atribuis. Temos demonstrado alhures que a lembrança precisa dessas faltas teria inconvenientes extremamente graves, por isso que nos perturbaria, nos humilharia aos nossos próprios olhos e aos do próximo; trariam uma perturbação nas relações sociais e, por isto mesmo, travaria o nosso livre-arbítrio.

Por outro lado, o esquecimento não é tão absoluto quanto o supõem. Ele só se dá na vida exterior de relação, no mesmo interesse da humanidade; mas a vida espiritual não sofre solução de continuidade. Tanto na erraticidade, quanto nos momentos de emancipação, o Espírito se lembra perfeitamente e essa lembrança lhe deixa uma intuição que se traduz na voz da consciência, que o adverte do que deve, ou não deve, fazer. Se não a escuta, então é culpa sua.

Além disso, o Espiritismo dá ao homem um meio de remontar aos seu passado, senão aos atos precisos, ao menos aos caracteres gerais desses atos que ficaram mais ou menos desbotados na sua vida atual. Das tribulações que suporta, das expiações e provas deve concluir que foi culpado; da natureza dessas tribulações, ajudado pelo estudo de suas tendências instintivas, apoiando-se no princípio que a mais justa punição é a consequência da falta, pode deduzir seu passado moral. Suas tendências más lhe ensinam o que resta de imperfeito a corrigir em si. A vida atual é para ele um novo ponto de partida: aí chega rico ou pobre de boas qualidades; basta-lhe, pois, estudar-se a si mesmo para ver o que lhe falta e dizer : "Se sou punido, é porque pequei". E a mesma punição lhe dirá o que fez" - (Revista Espírita, 1863, mês de setembro, item "Perguntas e Problemas").

Comentando sobre o arrependimento do Espírito de um criminoso desencarnado, Allan Kardec afirma:

"Muitas pessoas perguntaram que proveito poderia ser tirado das existências passadas, desde que a gente nem se lembra do que foi, nem do que fez.

Esta questão está completamente resolvida pelo fato de que, se o mal que praticamos estivesse apagado, se nenhum traço restasse em nossos corações, sua lembrança seria inútil, desde que com ele não mais temos que nos preocupar. Quanto àquilo de que não nos corrigimos completamente, conhecemos por nossas tendências atuais; é para estas que devemos voltar toda a nossa atenção. Basta saber o que somos, sem que seja necessário saber o que fomos .

Durante a vida, quando se considera a necessidade de reabilitação do culpado pelo arrependimento, a reprovação de que é objeto, deve-se agradecer a Deus por haver lançado um véu sobre o passado. Se Latour tivesse sido condenado há tempos e, mesmo, se se tivesse resgatado, seus antecedentes o teriam feito repelir a sociedade . Mau grado o seu arrependimento, quem o teria admitido na intimidade? Os sentimentos que hoje manifesta como Espírito nos dão a esperança de que, na próxima existência terrena, será um homem honesto, estimado e considerado. Mas suponde que se saiba quem foi Latour: a reprovação ainda o perseguirá. O véu lançado sobre o passado lhe abre a porta da reabilitação; poderá sentar-se sem receio e sem acanhamento entre as mais decentes pessoas. Quantos não quereriam, a todo custo, apagar da memória dos homens certos anos de sua existência!" - (Revista Espírita, 1864, mês de novembro, item "Um Criminoso Arrependido").

Um membro da Sociedade Espírita de Paris, Sr. Rul, evoca o Espírito de um jovem encarnado, surdo-mudo de nascença, para, com a permissão da espiritualidade superior, conhecer o motivo de sua deficiência. Descobrindo que o rapaz foi um parricida, não consegue, no entanto, descobrir quem foi o alvo do acontecimento. Então, o Codificador explica:

"Por nosso lado, faremos uma outra observação a respeito. A prova de identidade aqui resulta do sono provocado pela evocação e da cessação da escrita no momento de despertar. Quanto ao silêncio guardado sobre a última pergunta, prova a utilidade do véu lançado sobre o passado. Com efeito, suponhamos que a mãe atual desse menino, a quem ama ternamente, tenha sido sua vítima em outra existência, e que este tenha querido reparar seus erros pela afeição que lhe testemunha: a mãe não seria dolorosamente afetada se soubesse que seu filho foi seu assassino? Sua afeição por ele não ficaria alterada? Foi-lhe permitido revelar a causa de sua enfermidade, como assunto de instrução, a fim de nos dar uma prova a mais que as aflições daqui têm uma causa anterior, quando não estejam na vida presente, e que assim tudo é segundo a justiça . Mas o resto era inútil e teria podido chegar aos ouvidos da mãe. Por isto os Espíritos o despertaram, talvez no momento em que ia responder.

Além disso, o fato prova um ponto capital: é que não é somente depois da morte que o Espírito recobra a lembrança de seu passado. Pode dizer-se que não a perde nunca, mesmo na encarnação, porque, durante o sono do corpo, quando goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores: sabe porque sofre, e que sofre justamente; a lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação . Mas, em falta de uma lembrança precisa, que lhe poderia ser penosa e prejudicar suas relações sociais, adquire novas forças nos instantes de emancipação da alma, se os souber aproveitar" - (Revista Espírita, 1865, mês de janeiro, item "Evocação de um Surdo-Mudo Encarnado").

Explanando sobre a pluralidade das existências, Allan Kardec neste ponto afirma a importância desta crença para que a humanidade sane uma série de problemas que a afligem. Também coloca que o esquecimento das vidas passadas, ao contrário do que alguns pensam, não traz prejuízo ao indivíduo, e sim o ajuda:

"A maior objeção que se pode fazer a esta teoria é a da ausência de lembrança das existências anteriores. Com efeito, uma sucessão de existências , inconscientes umas das outras; deixar um corpo para em breve retomar outro, sem a memória do passado, equivaleria ao nada, porque seria o nada do pensamento; seriam outros tantos novos pontos de partida, sem ligação com os precedentes; seria uma ruptura incessante de todas as afeições que fazem o encanto da vida presente e a mais doce esperança, a mais consoladora para o futuro; seria enfim, a negação de toda a responsabilidade moral. Uma tal doutrina seria tão inadmissível e tão incompatível com a justiça e a bondade de Deus, quanto a de uma única existência com a perspectiva de uma eternidade absoluta de penas para algumas faltas temporárias. Compreende-se, pois, que aqueles que fazem semelhante idéia da reencarnação a repilam. Mas não é assim que o Espiritismo a apresenta.

A existência espiritual da alma, diz-nos ele, é a sua existência normal, com lembrança retrospectiva indefinida; as existências corpóreas não passam de intervalos, de curtas estações na existência espiritual; e a soma de todas essas estações não passa de uma parte mínima da existência normal, exatamente como se, numa viagem de vários anos, a gente parasse, de vez em quando, por algumas horas. Se, durante as existências corpóreas, parece haver uma solução de continuidade, pela ausência da lembrança, a ligação se estabelece durante a vida espiritual, que não sofre interrupção; a solução de continuidade realmente só existe para a vida corpórea exterior e de relação; e aqui, a ausência da lembrança prova a sabedoria da Providência, não querendo que o homem fosse muito desviado da vida real em que tem deveres a cumprir; mas, no estado de repouso do corpo, no sono, a alma retoma em parte o seu vôo e então se restabelece a cadeia, interrompida apenas durante a vigília" - (Revista Espírita, 1869, mês de junho, item "O Caminho da Vida").

(Grupo Espírita Bezerra de Menezes)