segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Cantinho dos Estudos

MEDIUNIDADE E AUTOCONHECIMENTO

Não se deve entender o aperfeiçoamento mediúnico como estrita e exclusivamente ligado às reuniões de desobsessão, de cura ou materialização. Precisamos entender a mediunidade como um sentido novo de se perceber o Divino no Homem e na Natureza

O grande esforço do homem tem sido, no curso da história, o de procurar compreender a realidade, revelar o real. Como a realidade pode ser conhecida? Aristóteles e, muito mais tarde, Locke proclamaram que todo conhecimento era proveniente dos sentidos; os sentidos e os aparelhos que os ampliam seriam os instrumentos de conhecimento. Essa visão do senso comum vem sendo contrariada desde o início do século pela Física, que nos tem mostrado, de modo contínuo, uma realidade bem distinta: aos poucos, os denominados corpos simples foram reduzidos a partículas idênticas; estas foram sendo reduzidas a outras ainda mais elementares, enquanto, por sua vez, as mais diferentes radiações foram sendo reconhecidas como expressões de ondas, distintas apenas no comprimento e em sua freqüência. Mais ainda, energia e matéria foram unidas pela teoria da relatividade restrita, enquanto o espaço e o tempo vieram a formar um continuum na visão da teoria da relatividade geral. Matéria e energia, espaço e tempo, e gravitação tornaram-se apenas deformidades do continuum. A própria matéria do mundo, no dizer de Arthur Eddington, não seria senão matéria da mente. Todos os processos físicos, as mudanças existentes no universo, resultam da intermediação de quatro forças elementares - a força nuclear forte, a força nuclear fraca, a força eletromagnética e a força gravitacional, geradas após a “grande explosão”. A unidade inicial das forças teria sofrido contínuas divisões que se operariam entre o 10 -33 e o 10 -10 de segundo depois do Início: surgiria, assim, o divórcio da gravidade, em seguida da força forte e, finalmente, separar-se-iam as forças eletrofracas: as forças fraca e eletromagnética.


O OBSERVADOR

Isso tudo nos permite reconhecer que aquilo que vemos e julgamos ser a realidade não é senão uma aparência, sem dúvida dependente da mente do observador e da estrutura física dos sentidos e aparelhos com que observa o mundo. De qualquer modo, são estas as únicas “realidades” ou conexões de acontecimentos capazes de serem percebidos?
Desde os tempos primitivos, o ser humano tem afirmado a existência de um mundo extrafísico, povoado por seres, energias etc., distintos dos conhecidos e, de um modo mais profundo, submetendo a irrealidade do mundo físico à realidade do espírito divino. De que modo foi possível conceber este universo? Possui ele alguma realidade ou é a realidade? As religiões que se apossaram da revelação passaram a expressá-la através de mitos e dogmas, porém são apenas formas de expressão. No fundo, percebemos que uns e outros procedem de experiências pessoais diretas que foram cristalizadas pelo sacerdócio na forma de princípios, tornando-se artigos de fé. Este universo realmente existe? E, se existe, é possível redescobri-lo? Se se pretende experimentar, é necessário conhecer que instrumental deve ser utilizado para a investigação.
A antropologia reconhece que inexistem povos ateus, ou seja, por toda a parte, o homem tomou conhecimento da existência de um mundo invisível e de uma força superior que passou a ser adorada como a Divindade, desde o paleolítico. Isso vem ao encontro da afirmativa feita pelos espíritos no item 5 de O Livro dos Espíritos. De modo perspicaz, Kardec destacou no capítulo IV, item 1 de A Gênese, que “a história da origem de quase todos os povos antigos se confunde com a da religião: é por isso que seus primeiros livros foram livros religiosos”, e, na Revista Espírita, de janeiro de 1858: “A história do Espiritismo é de certa forma a história do espírito humano”, com o que chamou a atenção não só para a Antigüidade do Espiritismo e sua universalidade, mas para a própria revelação do mundo espiritual ao homem. Há de reconhecer-se que os primitivos utilizaram-se de um instrumento para obter a revelação de que:
a) existe um Ser Supremo no Universo, origem e causa de tudo;
b) como decorrência disso, existe um mundo invisível para onde vão os espíritos dos mortos quando deixam seus corpos.
Essa percepção da Divindade e do Mundo Invisível não foi obtida por meios físicos nem o poderia ser; a única conclusão possível é de que um determinado instrumento foi utilizado no processo de conhecimento, porém, não os sentidos ou instrumentos
ampliativos destes. O item 5 de O Livro dos Espíritos indica-nos a intuição como tendo sido a faculdade que nos forneceu a idéia de Deus. Reparemos que, ao contrário das respostas de números 6, 221 e 650, nas quais os espíritos se reportam ao sentimento instintivo, ao sentimento inato, na de nº 5 os espíritos respondem à questão do sentimento intuitivo da existência de Deus, isto é, à maneira de conhecer por intuição.
Allan Kardec catalogou-a como uma forma mediúnica e André Luiz apontou-a como espécie mediúnica existente nos primórdios da humanidade. É gênero, porém, que deve alcançar mais amplos desenvolvimentos no futuro. Em realidade, os físicos reconhecem na intuição a origem do processo criativo. Teresa de Ávila considerava essa percepção intima, as intuições que recebia do Cristo, como tendo mais influência em sua vida que as visões, por serem mais reais e mais profundas, e somente para simplificar é que utilizava mais a expressão “ter visto”, de modo a fazer-se compreender pelos leitores. Ora, bem, é esta percepção intuitiva ocorrida nos primórdios, a percepção do Divino e do mundo extracorpóreo a maior, a mais bela e a mais profunda mensagem recepcionada sobre a Terra.

AUTOCONHECIMENTO

É preciso encarar a mediunidade por esse ângulo. Não devemos apenas nos voltar para os casos patológicos da mediunidade, os desvios, os acidentes de percurso nem devemos encará-la somente pelo seu valor terapêutico; devemos atentar também para o sentido mais amplo e dinâmico da mediunidade como processo de conhecimento e autoconhecimento em que a função de cura está inclusa.
Inicialmente, não é possível esquecer que a mediunidade é um instrumento de percepção de valor neutro, o que nos indica que a direção de sua utilização, o resultado desta, dependem do sistema filosófico-moral-religioso que orienta o médium, ou seja, da sua própria orientação moral e concepção do mundo. Aqui também, como na Física moderna se reconhece, o resultado também depende do observador: não só as condições morais e espirituais do médium estabelecem as conexões possíveis, como os próprios resultados dependem da capacidade conceptual e interpretativa do médium, isto é, dependem do parâmetro que André Luiz denominou “capacitância por analogia com o circuito elétrico”. Recordemos que Allan Kardec, no item 443 de O Livro dos Espíritos e no capítulo de Obras Póstumas sobre a emancipação da alma, chamou a atenção para o condicionamento mental. Os próprios fenômenos de vidência espiritual lhe estão submetidos, como destacou Mira Alfassa em Conversas com a Mãe (1931), André Luiz em Nos Domínios da Mediunidade (1955>, Emmanuel no livro Seara dos Médiuns (1961), Pierre Weil e nós mesmos em uma apostila intitulada Chacras e Mediunidade (1985) e no livro Pérolas no Fio (1991). Como adverte Weil, isso não depõe contra a veracidade do fenômeno, pois a codificação cultural é a estrutura que compreende todas as espécies de percepção. Peat e Bohm, em Ciência, Ordem e Criatividade (1987), destacam que toda a percepção sensória depende da disposição total da mente e do corpo, disposição esta que depende da cultura geral e da estrutura social, fatores que também condicionam a percepção através da mente.
Todo instrumento de ampliação das percepções tem seu destino condizente: como instrumento de percepção, a mediunidade nos indica sua utilidade. Costumamos empregá-la nos serviços de cura, ajudando pacientes a atingir o equilíbrio, refazer suas forças e libertar-se de pressões externas provenientes de desencarnados ou de encarnados. É necessário ir mais além: a mediunidade nos coloca, por antecipação, em um meio distinto, no mundo do além túmulo, que costumamos chamar de mundo espiritual, mundo invisível, porque não perceptível aos sentidos normais. A expressão não deve enganar-nos e, assim, apesar de sua singularidade, ela se reporta a uma multiplicidade de planos que se interligam e nos quais os espíritos vivem de acordo com o grau de espiritualidade alcançado e, até podemos dizer, de acordo com o peso específico dos corpos de que se revestem.

PERCEPÇÃO AMPLIADA

Estes são mundos invisíveis que a mediunidade descortina, daí ter o padre Bondi descrito o estado de consciência mediúnica como o de ver a céu aberto, como prometeu Jesus no seu primeiro encontro com Natanael, segundo o relato de João 1:51, e o pôde constatar Estêvão, ao ser apedrejado, conforme os registros de Lucas em 7:56. E é isto o que ocorre: ao rasgarem-se os véus dooculto, percebem os médiuns a idae a vinda dos espíritos, que não sóse revezam nos corpos físicos através da reencarnação, mas que se antecipam em seu anseio de comunicação com os homens a fim de ajudá-los a modificar a visão estreita da vida, presa ao egoísmo existencial, possibilitando uma descrição holística desta, que incorpore não somente os ângulos biológico, psicológico, sociológico, linguagens a que está afeito, mas a nova perspectiva espiritual através da linguagem mediúnica como meio de descrevê-la, demonstrando a influência recíproca que exercem uns sobre os outros encarnados e desencarnados, ampliando o conceito de vida e, com isso, desmistificando a visão unilateral - vida versus morte, comprovadas as expressões existenciais que sobrevivem ao desfazimento do corpo.

MULTIPLICIDADE

Se examinarmos bem a questão, no entanto, estamos a falar ainda de matéria em estados que a ciência desconhece, mas, nem por isso, menos matéria, como
aquela de que nos fala André Luiz no livro Obreiros da Vida Eterna, cap. X, constituída de átomos etéricos cujas descargas elétricas, em sua esfera de ação, ensejariam “realizações quase inconcebíveis à mente humana”. São mundos exteriores ainda, expressões da multiplicidade. Existe, no entanto, um outro mundo invisível do qual o sistema mediúnico deve a perceber-se, cuja indicação encontramos em Jesus, que ensinou: “A vinda do Reino de Deus não é observável”, não vem como algo espetacular, de modo que se possa dizer: “ei-lo ali; ei-lo acolá”. “O Reino de Deus está dentro de vós”, no seu meio interior (Lucas 17: 20-21). A indicação, portanto, refere-se à existência de um mundo mais profundo, um mundo que estaria dentro de cada um de nós, o que nos leva a considerar não mais a multiplicidade, mas a unidade, mundo este que poderíamos chamar de meio crístico.
A pergunta que deve ser feita a seguir é se, apesar dessa revelação, esse mundo é passível de ser conhecido. Ainda tomaremos aqui outra indicação do Mestre Jesus: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará” (João 8:32). Que significa conhecer a verdade, senão conhecer o Reino, o meio crístico? Conhecer a verdade é conhecer, portanto, o homem em si mesmo, conhecer sua origem e nele próprio a origem do Universo.

(Luz do Espiritismo)