quarta-feira, março 08, 2006

Cantinho dos Amigos

HOMENAGEM CERTA

Entre todas as mais do que justas homenagens à mulher, destaca-se a lembrança das sertanejas vítimas das secas. Depois que a Revolução Industrial produziu alterações profundas no cenário social do mundo moderno, não faltaram teóricos a profetizar que a mulher se libertaria dos grilhões do atraso à medida que se inserisse no mercado de trabalho.

Inicialmente o processo de deixar o lar para trabalhar fora foi doloroso. A mulher enfrentou os azares da lei de oferta e procura de mão-de-obra e passou a ganhar salários menores do que os percebidos pelos homens para a execução de tarefas semelhantes.

Mas a libertação foi um triste engano, uma ilusão. Na verdade, a mulher hoje em dia, em plena virada do milênio, foi sobrecarregada por aquilo que as feministas classificam de dupla jornada. Ou seja, além de trabalhar fora, quando voltam para casa ainda têm outra jornada, a jornada doméstica.

Outros problemas enfrenta a mulher em seu dia-a-dia, a depender da cultura em que ela viva. Um ponto é comum: a violência contra a mulher, em 90% dos casos, é praticada pelos próprios familiares ou pessoas próximas.

Atualmente existem mais organizações não-governamentais falando e falando sobre as mulheres do que direitos assegurados no papel e na prática, jamais levados em conta. Por força de rituais religiosos bárbaros, mulheres são mutiladas em muito países, algumas de forma humilhante como acontece com aquelas cujos órgãos genitais são seccionados. Dificilmente num país como o Egito, que já foi uma das grandes civilizações da Antiguidade, as mulheres vão ficar livres de mutilações que resultam de costumes tão atrasados quanto milenares.

A prostituição internacional, o tráfico de mulheres dos países do Hemisfério Sul para servirem sexualmente à clientela dos países do Hemisfério Norte, é outra forma de escravidão disfarçada. Mas foi muito oportuna a referência que a escritora Zélia Gattai fez às mulheres vítimas da seca, com seus filhos esquálidos, esqueléticos, nos braços e com panelas com água suja fervendo, sem nada para cozinhar.

Em vários rincões deste país, as mulheres enfrentam ainda a solidão, porque, tangidos pelas secas, os maridos vão para os grandes centros em busca de melhores condições de vida. Porém, há também cidades grandes onde o contingente de mulheres é consideravelmente maior do que a população masculina. O exemplo mais conhecido é o de Belo Horizonte.

O progresso na indústria de eletrodomésticos e eletroeletrônicos ajudou a mulher a se livrar de tarefas pesadas, prejudiciais a seu corpo, mas não impediu que ela continuasse vítima da dupla jornada.

Em lugar da pia de lavar roupa, há máquinas, mas é ela mesmo a responsável pela lavagem da roupa. Além do mais, o que se dizer da missão de criar os filhos que repousa basicamente sobre as chefes de famílias, boa parte delas sozinhas para cuidar de tudo e sendo forçadas a entregar as crianças a babás cuja formação nem sempre é adequada para tal mister?

Em termos de boas intenções, a mulher tem progredido muito. Até em países altamente machistas e de relações atrasadas no âmbito familiar, como o México, já se adotam legislações para conter a violência contra a mulher. O difícil é aplicá-las para realmente garantir os direitos humanos das mulheres.

Outra vítima especial das barbaridades, das desigualdades e do machismo são as meninas. Muitas das meninas são forçadas a se prostituírem, a migrar para regiões desconhecidas, se afastar da família e dos amigos, abandonar as escolas para cair na rede de proxenetas, caftens e gigolôs, apenas alguns personagens de uma vastíssima máquina de exploração.

Com os filhos pequenos nos braços, sob sol a pino, mulheres trabalham em profissões arriscadas tanto para elas quanto para as crianças. Lá estavam elas fabricando fogos de artifício em ambientes altamente inseguros ou mesmo ao ar livre e o resultado foi a tragédia que toda a Bahia assistiu e que chocou o Brasil, as explosões de Santo Antônio de Jesus.

Há mulheres trabalhando na lavoura do sisal, outras tantas em pedreiras ou nos canaviais. No entanto, a saída da mulher do lar para o trabalho formal, para a indústria ou para os serviços não significou melhoria em suas condições de vida. No comércio, onde a jovem mulher pode ganhar melhor porque recebe comissões sobre vendas, ainda existem muitos patrões insensíveis, verdadeiros algozes, chegando à repressão ao ponto de proibirem que suas comerciárias usem os sanitários das lojas.

Os constantes focos de guerra em todo o mundo penalizam antes de tudo a população civil, com destaque para os velhos, as crianças e as mulheres. São vítimas preferidas em casos de violência sexual em larga escala, vivem perambulando de um país para outro, rejeitadas pelos vizinhos dos teatros de operações militares. As minas terrestres ajudam a mutilar centenas delas em todo o mundo.

Infelizmente, na virada do século, não há muito a festejar, exceto para as mulheres ricas que podem contratar as mais bem formadas profissionais para tomar conta de seus lares e educar os filhos. Estas são uma minoria. A maioria, lamentavelmente, faz parte daquele estamento social de pobreza a que a escritora Zélia Gattai se referiu. Vivem em grandes dificuldades, seja sob o sol escaldante das secas do sertão, seja nos maiores centros urbanos onde ainda reclamam ganhar menos do que ganham os homens.

A despeito de tais adversidades, a mulher progrediu e muito neste século, a ponto de exercer atividades de alto risco, de se realizar profissionalmente em setores tradicionalmente reservados aos homens, como as corporações militares, a conquista do espaço e o policiamento. Na economia, a mulher exerce liderança indiscutível, já estando em suas mãos mais da metade de toda a economia da maior potência do planeta, os Estados Unidos. Nas últimas décadas cresceu, igualmente, sua influência política, assegurando o direito ao voto e dirigindo várias nações do mundo. Tudo isso foi resultado de muita luta, de muito sacrifício e de muitas batalhas. Valeu a pena, porém.

(Texto extraído do Jornal A Tarde)

Mensagem enviada por Luciaq